No mundo conectado em que vivemos, equipamentos eletrônicos como modems de internet, maquininhas de pagamento e decodificadores de TV a cabo são quase tão comuns quanto os próprios serviços que eles habilitam. No entanto, há uma realidade pouco falada por trás da utilização desses dispositivos, especialmente quando são fornecidos por empresas em regime de comodato: a alta taxa de não devolução ao fim de seu uso e o consequente impacto financeiro e ambiental que isso gera.
Estudos da Associação Brasileira de Logística (ABRALOG) mostram que entre 40% e 45% dos clientes não devolvem os equipamentos após o término do contrato, gerando uma quantidade enorme de ativos que, além de permanecerem em poder de terceiros, se tornam perdas irreversíveis. Para as empresas que dependem desses dispositivos, o custo de reposição pode ser alto. Um simples modem ou uma maquininha de cartão pode custar entre R$450 e R$700, valores que, ao serem multiplicados por milhares de unidades não retornadas, representam prejuízos expressivos.
Para entender melhor esse problema, é importante analisarmos o que leva os consumidores a não devolverem esses equipamentos. Alguns fatores são estruturais, como a burocracia para devolução. Muitos consumidores relatam que, ao término do contrato, os procedimentos para devolver o equipamento são complexos ou inconvenientes. É comum que se exija a ida até uma agência dos correios ou ponto de coleta específico, o que, na rotina acelerada de muitos, acaba sendo um empecilho significativo.
Além disso, falta incentivo por parte das empresas. Poucas oferecem recompensas ou benefícios para os clientes que realizam a devolução dos aparelhos, tornando esse processo pouco atrativo. E há também o fator psicológico: com o tempo, muitos desses equipamentos, especialmente os mais antigos, passam a ser percebidos como de baixo valor, fazendo com que os consumidores simplesmente não vejam a necessidade de devolvê-los.
A ausência de punições claras também contribui para esse cenário. Em muitos contratos de comodato, não há uma política rigorosa para penalizar a retenção dos equipamentos, o que faz com que os clientes muitas vezes deixem de devolvê-los sem grandes consequências.
Os Custos para as Empresas
Esse comportamento afeta diretamente a saúde financeira das empresas que operam com comodato. Sem a devolução dos equipamentos, elas são obrigadas a adquirir novos dispositivos para suprir a demanda, o que representa um aumento significativo de custos operacionais. A reposição contínua desses equipamentos tem um impacto direto no capital imobilizado, já que as empresas deixam de reaproveitar aparelhos que poderiam ser recondicionados e reutilizados por outros clientes.
Dados indicam que, se as empresas conseguissem reaver e recondicionar parte significativa dos dispositivos não devolvidos, poderiam reduzir em até 30% seus custos com aquisição de novos equipamentos. Esse número revela o tamanho da oportunidade desperdiçada.
Tomemos como exemplo uma maquininha de pagamento, cuja vida útil pode se estender por vários ciclos de clientes. Quando esse aparelho é devolvido em bom estado, a empresa pode recondicioná-lo e enviá-lo a um novo cliente, gerando economia substancial. Já no caso de não devolução, além do custo imediato de reposição, a empresa ainda sofre com a perda de receita associada ao tempo ocioso durante o processo de reenvio.
O Impacto Ambiental e a Responsabilidade Corporativa
Se os custos financeiros já são alarmantes, o impacto ambiental do descarte incorreto desses equipamentos é ainda mais preocupante. Em 2023, o mundo gerou cerca de 50 milhões de toneladas de lixo eletrônico, segundo a ONU. A falta de devolução dos equipamentos contribui para esse cenário de forma significativa. Muitos desses dispositivos acabam descartados de maneira incorreta, em lixões ou aterros, sem qualquer tratamento adequado para mitigar seu impacto ambiental.
Aqui entra em cena a responsabilidade corporativa. Com a crescente preocupação mundial com o meio ambiente, as empresas que adotam práticas de logística reversa e descarte responsável ganham pontos não apenas com consumidores, mas também com investidores. A agenda ESG (Environmental, Social, and Governance) vem se consolidando como um critério importante para a tomada de decisões de consumo e investimento, e empresas que negligenciam essa questão podem estar deixando passar uma oportunidade de ouro para se destacar no mercado.
Adotar políticas eficazes de devolução e descarte pode transformar um problema em uma vantagem competitiva. Ao promover a devolução dos dispositivos, as empresas têm a chance de reaproveitar aparelhos, economizando recursos e prolongando o ciclo de vida útil dos produtos. Além disso, aquelas que investem em programas de reciclagem e descarte correto de equipamentos danificados contribuem diretamente para a redução de resíduos eletrônicos, alinhando-se às melhores práticas ambientais.
O Caminho para Soluções Mais Eficientes
Para enfrentar o problema da não devolução de equipamentos, algumas soluções já se mostram eficazes e viáveis. Um primeiro passo é simplificar o processo de devolução. Empresas que oferecem aos clientes pontos de coleta mais acessíveis ou até mesmo a possibilidade de agendar a retirada dos equipamentos em casa veem um aumento considerável nas taxas de devolução.
Outro ponto importante é oferecer incentivos para que o cliente devolva o aparelho.
Descontos na fatura, créditos ou recompensas, mesmo que simbólicos, podem fazer toda a diferença no comportamento dos consumidores. Empresas de sucesso já demonstraram que a gamificação desse processo ou a criação de campanhas de conscientização sobre o impacto ambiental da não devolução são estratégias eficazes para motivar os clientes.
Ademais, é crucial que as penalidades para a retenção dos equipamentos estejam mais claras nos contratos de comodato. Com políticas mais rigorosas, os consumidores serão mais propensos a cumprir com sua obrigação de devolução.
Concluindo então...
A não devolução de equipamentos eletrônicos é um problema que vai além do financeiro, trazendo à tona questões de responsabilidade ambiental e corporativa. As empresas que atuam com comodato enfrentam perdas financeiras substanciais e ainda contribuem para o agravamento da crise dos resíduos eletrônicos. No entanto, esse cenário pode ser revertido com práticas simples, como a adoção de políticas mais acessíveis de devolução, incentivos aos consumidores e a implementação de programas de reciclagem e descarte correto.
O desafio agora é transformar um problema antigo em uma oportunidade. Recondicionar, reutilizar e reciclar são os pilares de uma nova era na gestão de ativos e de sustentabilidade corporativa. E, para isso, é fundamental que as empresas estejam preparadas para conduzir seus negócios com responsabilidade e visão de futuro.
Fontes:
Associação Brasileira de Logística (ABRALOG)
ONU – Relatório sobre Resíduos Eletrônicos 2023
Pesquisa de Logística Reversa no Brasil – 2022
Comentários